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Foto do escritorCaio Paes de Freitas

Dançando com a vida

Hoje é dia de Finados, dia de honrar todas as almas e nos lembrarmos que amamos.

Quase todos os povos e alguns animais (chimpanzés) celebram seus antepassados de maneiras das mais diversas. Após uma morte para viver um luto é preciso de um ritual, uma celebração, um evento especial que marque a finitude de um corpo. Por aqui nós vamos aos cemitérios, ficamos saudosos e levamos flores aos túmulos.

Nessa data temos também nossa parcela de festa e feriado, se fizer sol alguns preferem dedicar o dia a uma cervejinha na beira da praia, mas todos trazem em si ao menos uma vez ao ano a lembrança dos que partiram: parentes, amigos, ídolos, pets, pessoas que amamos e que nos amaram. Sempre é preciso de alguma forma extravasar, dar voz a este sentimento seja na beleza dos rituais ou na exuberância das festas. É preciso beleza e emoção para ocupar e cultivar os jardins afetivos que os finados deixaram para trás.



Esta cicatriz, o luto, faz parte da experiência de estar vivo e em muitos sentidos a morte é para quem fica: é ficar depois da festa para lavar a louça e varrer o salão, é levar nos lábios a sombra de um sorriso do qual se lembrar, é trazer no peito quentinha e apertada a saudade da beleza de um laço, um eco dos bons encontros. Existe uma certa tristeza calma ao lembrarmos dos mortos nos momentos em que nos falta um abraço ou se deseja compartilhar algo com aquele que se foi, lembrar de uma história bonita e saber que ela não se repete mais, esta parte morta dos mortos pode deixar um vazio, cavar uma falta, criar uma eterna saudade que anda calada no banco de carona, ainda que às vezes murmure um pouco.


Diante desta calma tristeza não é preciso ficar calado, podemos tirar a morte para dançar, contar sobre suas histórias, podemos nos manter atentos a como aquele que se foi modificou a nossa vida, quanto daquele amor eu integrei a mim e dancei conforme a música, permitindo que me modificasse. Existe no luto uma parcela do outro que levamos conosco, esta é uma parte viva dos mortos, minha avó me ensinou a lavar as mãos antes de comer, meu avô ensinou que para amar é preciso cantar uma canção, um poeta famoso me disse que meu corpo é uma cidade e mundo, meu fox paulistinha me ensinou que não é preciso sequer uma palavra para confortar.


Talvez seja esta uma maneira de festejar e celebrar os mortos, rasgar as portas do ego e deixar entrar o que a vida do outro nos ensina sobre viver.

Ouvir e contar histórias, transmutar e reinventar os modos de vida.

Continuar a dança da vida, aprendendo e ensinando passos: solo, duo ou em grupo, tanto faz. O que você leva vivo dos seus mortos? Talvez seja esta a mais democrática das heranças, deixamos para trás histórias e aquilo que despertamos nos outros quando amamos, quando não há mais nem eu, nem outro, apenas a vida e a morte como duas amigas fofoqueiras num campo de flores. Talvez a partir do que deixaram em nós os finados continuem a experimentar a vida.


Caio Paes de Freitas

Psicólogo | CRP: 05/53463


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