top of page
Foto do escritorCaio Paes de Freitas

Quem é “Eu”?


Todos os dias passamos por inúmeros encontros. Desde o encontro dos olhos com a luz da manhã, até o encontro dos dentes com a escova ou do cérebro com a cafeína, e então o encontro com cada um dos outros seres humanos pelos quais passamos nas encruzilhadas da vida.

A cada um destes encontros vamos sendo vagarosamente construídos, mas não somos sempre os mesmos perante a eles, a cada novo encontro agimos de maneira também única, por que algo naquele outro (humano ou não) que encontramos nos causa um pequeno movimento na perspectiva. Por exemplo, talvez não haja brasileiro vivo que afirme ser o mesmo antes ou depois de um gole de café ou um cafuné.



Será então que mesmo com estas diferenças de humor e perspectiva que cada encontro proporciona podemos falar em nome de um “Eu” único fixo e imutável que nos permita afirmar “Eu sou assim!”?

Talvez existência de um eu pode ser melhor compreendida quando a consideramos um frame, que faz um recorte de um fluxo, como no cinema. Um frame é uma imagem congelada de um vídeo, no cinema as vezes vemos 24 outras 48 frames por segundo ou até mais em outras mídias. Um frame sempre apresenta uma pequena variação em relação ao anterior e é assim que passando de frame a frame em uma velocidade alucinante é possível no cinema criar efetivamente o movimento na tela.

Se nos apropriarmos desta mecânica cinematográfica poderemos pensar que toda vez que lançamos a frase “sou assim” ou mesmo afirmamos as qualidades de um “Eu” estamos falando de um recorte, uma imagem de um momento localizável no curso de uma vida, um recorte este que foi substituído imediatamente após sua verbalização. Por isso ao dizer “ah! Então é por isso que sou assim” devemos ter em mente que já trata-se de noticia velha. Jornal de ontem.



A própria pausa momentânea na experiência de sentir e viver para enunciar o que ela é ou o que ela significa já altera fundamentalmente a relação de cada um com todo o seu meio, já cria um novo território, modelando daí para a frete os próximos encontros, algo já mudou, já não sou mais o mesmo, o filme continua a rodar, mas agora eu tenho um frame congelado do passado para me comparar.

Enquanto esta relação com quem pensamos ser (seres unos) servir para nos guiar num objetivo de longo prazo ótimo, o problema está aí quando a partir deste “Eu” preso em fotografia passo a tentar controlar todos os novos acontecimentos e encontros que vivo, seja com o café seja com um olhar. Aquele velho frame deixa de ser um ponto do passado e se torna a régua segundo a qual meço a vida.

Em palavras outras é preciso não deixar o que já não somos limitar o que ainda podemos ser.

Para além disso talvez nunca nos seja possível definir com precisão o que é ou como opera isso que chamamos de “Eu” , porque assim como é impossível morder os próprios dentes é impossível definir-se a partir de si mesmo.

Talvez (com prudência) seja preciso esvaziar-se das certezas sobre o "Eu" para deixar florescer a potência dos encontros.

Certa vez um artista me falou de um tao d’eu, um eu minúsculo, que não tenta se fechar em seu próprio castelo, mas que é capaz de fluir entre as posições de iniciativa e receptividade e se renovar a cada nova alvorada.

Caio Paes de Freitas | Esquizoanalista




109 visualizações1 comentário

Posts recentes

Ver tudo

1 Comment


jose francisco barbosa
jose francisco barbosa
May 14, 2021

A angústia que se realizar na depressão pode acarretar sintomas no fluxo de pressão das artérias cardiovasculares ???

Like
bottom of page